Quando leio manifestos contra o carnaval fico perplexa com a facilidade que o povo brasileiro tem de apagar a sua própria história. Esquecer que as raízes da nossa trajetória estão fincadas em solo raso. Somos um povo relativamente jovem, sem muita memória, fruto de uma colônia de exploração.
Povo que já nasceu traumatizado, que apanhou e que apanha até hoje. Apanhamos de políticos corruptos que não tem vergonha na cara e que roubam deslavadamente nosso dinheiro. Políticos estes que nós elegemos porque votamos sem pensar, pela obrigação de estar lá e não pela vontade de mudar, de fazer alguma coisa por nós mesmos.
Não fazemos panelaços como na Argentina, não acampamos na porta do Palácio do Planalto como na França, não colocamos fogo em praça pública como na Espanha. Parece até que temos medo de que o  feitor possa nos amarrar de volta à Senzala e nos castigar pela ousadia…
Mas daí a culpar o carnaval! Ahhhhh tenha dó! O carnaval não enche a cara, nem dirige alcoolizado, o carnaval não faz sexo sem camisinha, nem violenta pessoas. Não é o carnaval que assalta, nem mesmo o carnaval seria capaz de ofuscar Renan Calheiros no poder. O carnaval não é pão e circo como querem pregar por aí…
São pessoas sem civilidade que cometem tais atrocidades, são as mesmas pessoas que o fazem no dia “do trabalho,” “das mães,” “dos Pais”, e até no Natal. São pessoas ogras que vivem por aí pisando no outro, na lei, na regra e na convivência em sociedade.
O samba é expressão musical, o samba é história de vida, o samba é o ritmo que impulsiona o passista Sorriso, que passou a vida na labuta como lixeiro, transparente, invisível. Foi no samba que a diarista descobriu a arte, a arte de dançar, de dominar os pés, de erguer a cabeça e cantar com toda a força que há em seus pulmões! O samba da porta-bandeira, que gira e encanta, que sabe esconder o peso dos 50 kgs de sua fantasia e de sua saga, de sua luta, de sua história de vida.
Há quem veja somente a corrupção em tudo, há quem veja o dinheiro que rola solto no carnaval, há quem veja o tráfico de drogas e o jogo do bicho…
Pois eu vejo o samba, e clamo: Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar…
No carnaval eu distribuo sorrisos, me impulsiono a parar por aqueles dias e agradecer. Agradecer a Deus por ser brasileira, buscar dentro de mim o orgulho de ser um povo que sabe fazer magia com purpurina. Na cadência do samba eu sou feliz, fantasio meus filhos e lhes digo: Vibrem! Pulem entre confetes e serpentinas, ouçam a letra pura das marchinhas, marchinhas que meus avós, meus pais, eu, e agora eles, dançamos.
Ahhh não culpem o carnaval pelas mazelas de quem muito abre a boca e nada faz! O carnaval é do povo, do povo que não viaja para Europa, do povo que não vive em condomínio, do povo que não se esconde atrás do vidro fumê de seus carros de luxo, do povo que não tem Wi Fi, banda larga, vida farta…
Deixem o carnaval em paz, preservem o samba, busquem passar para frente a cultura de um povo que luta o ano inteiro e que merece seus 4 dias de alegria! Se a revolta lhes pesa os ombros, saiam do seu cotidiano protegido, arregacem as mangas, revoltem-se, mudem, gritem nas ruas, peguem suas panelas de teflon e comuniquem-se com quem precisa ouvir.
Mas faça-me o favor de respeitar o samba. Faça-me o favor de deixar o morro descer para avenida, faça-me o favor de calar-se enquanto a cuíca tocar, o cavaco chorar, o pandeiro vibrar, e com licença, porque é chegada a hora da bateria passar!
(Maysa Leão)